terça-feira, 26 de setembro de 2017

Universidade não é santuário

Por Ariel

Mais uma morte. Como tantas outras que acontecem todos os dias. Arma de fogo, armas brancas, correria, desespero, informações desencontradas, feridos, ligações atônitas para a emergência e a polícia, lágrimas e estupefações temperam de morbidez a embriaguez reinante.

Ninguém esperava por aquilo. Não pode ser real, não só não pode como é inaceitável, não natural. Como assim, um assassinato dentro da universidade? Um ferido moribundo atingido no pescoço pingando sangue a espera do socorro? Isso não faz sentido, não pode acontecer.

A universidade é sem dúvida alguma o lugar mais superestimado da sociedade. Os filhos da classe média passam 3, 4, 5 anos enclausurados nas salas climatizadas dos cursinhos particulares consumindo voraz e ensandecidamente fórmulas, fluxogramas, modelos esquemáticos, simplistas e reducionistas de conteúdos complexos, canções simplórias para decorarem mais facilmente nomenclaturas e varáveis matemáticas inúteis. Os pais, silentes e resignados, trabalham, se endividam e bancam os filhos nos cursinhos. Tudo na expectativa de vê-los dando o retorno de mais de 12 anos de investimento na educação oferecida pelos melhores colégios particulares entrando em uma universidade pública.

Os filhos dos trabalhadores pobres, do povão iletrado e abandonado, que na gênese da idade escolar trocaram o livro pela enxada ou pelo martelo, colocam os filhos na escola pública na esperança de vê-los chegar ao topo, de se tornarem o orgulho da família. Eles vão à escola, não aprendem. Falta livro, falta professor... Ou não, às vezes falta perspectiva somente, de ver no estudo secundário uma ferramenta para melhorar de vida. O curso profissionalizante oferecido pelo Senai, o trampo na oficina ou no comércio perto de casa, a grana alta e rápida no comércio de drogas podem parecer saídas mais viáveis para ajudar a família e ter retorno financeiro a curto prazo.

Para os que permanecem no colégio e terminam o secundário, a vitória pessoal e familiar já é grande. Para muitos, um privilégio. Passar no vestibular e conseguir entrar na universidade é um sonho. Conseguir nota para entrar numa universidade pública, então, é o ápice. É o ponto mais alto que um jovem pobre que não é bom de bola pode sonhar. Tanto no caso dele quanto no do menino e da menina das classes médias/médias altas, a universidade é a utopia, o objetivo a ser atingido, ainda que de maneiras e com concepções obviamente diferentes.

De maneira geral, a construção social da universidade (principalmente das públicas) é de um espaço idílico, um templo, um santuário do saber e da segurança. O excesso de obrigações acadêmicas, a falta de laboratórios, professores ou as dificuldades com assistência estudantil são alguns dos problemas que os estudantes vão tomando conhecimento com certa rapidez, e denotam problemas estruturais das universidades, mas a questão de segurança é (ou era) mais ou menos consensual de que a UFG seria um espaço seguro.

No entanto, basta acompanhar grupos e páginas de estudantes da UFG nas redes sociais para vermos que a bolha universitária tem se tornado cada vez mais permeável às mazelas do “mundo exterior”. Inúmeros relatos de assaltos nos pontos de ônibus e até arrastões dentro das linhas que abastecem o Campus Samambaia, brigas entre traficantes e, no último fim de semana, o assassinato do estudante de Ciências Ambientais, Ariel Vaz. O jovem foi morto com um tiro no peito numa briga generalizada que se iniciou no meio do gramado da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac), durante a Calourada Integrada, organizada pelo DCE-UFG em parceria com Atléticas e a Reitoria. Os detalhes do crime ainda estão sendo investigados.

Esse trágico episódio ocorrido recentemente talvez seja a oportunidade para a comunidade universitária refletir para questões que vão muito além do problema da segurança nos campi. Dizem respeito ao modo como o espaço é encarado, ao papel social que cumpre. A universidade está longe de ser o santuário idealizado pelos aspirantes à academia. Pesquisa recente realizada na USP, por exemplo, aponta 20% dos estudantes universitários com sintomas de ansiedade e depressão. A universidade é um local como qualquer outro onde se exige desempenho, notas, metas etc, fatores que podem contribuir para engendrar quadros de adoecimento psíquico.

A questão central é que tudo está imbrincado: expectativas idealizadas do ambiente universitário, frustrações comuns da vida acadêmica, mazelas sociais que entram na universidade... Tudo contribui para enriquecer o quadro da quebra de expectativa com o ambiente universitário. Esses problemas, para serem superados, obviamente precisam ser discutidos caso a caso, precisa-se muito debater segurança pública, debater saúde mental, debater os problemas estruturais que as universidades vêm sofrendo pelos cortes no financiamento etc.

Isso tudo, na verdade, nada mais é do que encarar a universidade tal como é. E talvez o maior desafio seja justamente esse: encararmos a verdade, não vendermos a imagem da universidade como um lugar perfeito, como o pedestal que os jovens iluminados têm por direito. A universidade precisa ser exposta com suas debilidades e falhas, para que não se crie ilusões com ela. A partir do momento que não existe ilusão, reduzem-se as possibilidades de autoengano e podemos conjecturar racionalmente em cima desses problemas para podermos saná-los.