Por Ariel
Mais uma morte. Como tantas outras que acontecem todos os dias. Arma de fogo, armas brancas, correria, desespero, informações desencontradas, feridos, ligações atônitas para a emergência e a polícia, lágrimas e estupefações temperam de morbidez a embriaguez reinante.
Ninguém esperava por aquilo. Não
pode ser real, não só não pode como é inaceitável, não natural. Como assim, um
assassinato dentro da universidade? Um ferido moribundo atingido no pescoço
pingando sangue a espera do socorro? Isso não faz sentido, não pode acontecer.
A universidade é sem dúvida
alguma o lugar mais superestimado da sociedade. Os filhos da classe média
passam 3, 4, 5 anos enclausurados nas salas climatizadas dos cursinhos particulares
consumindo voraz e ensandecidamente fórmulas, fluxogramas, modelos
esquemáticos, simplistas e reducionistas de conteúdos complexos, canções
simplórias para decorarem mais facilmente nomenclaturas e varáveis matemáticas
inúteis. Os pais, silentes e resignados, trabalham, se endividam e bancam os
filhos nos cursinhos. Tudo na expectativa de vê-los dando o retorno de mais de
12 anos de investimento na educação oferecida pelos melhores colégios
particulares entrando em uma universidade pública.
Os filhos dos trabalhadores
pobres, do povão iletrado e abandonado, que na gênese da idade escolar trocaram
o livro pela enxada ou pelo martelo, colocam os filhos na escola pública na
esperança de vê-los chegar ao topo, de se tornarem o orgulho da família. Eles
vão à escola, não aprendem. Falta livro, falta professor... Ou não, às vezes
falta perspectiva somente, de ver no estudo secundário uma ferramenta para
melhorar de vida. O curso profissionalizante oferecido pelo Senai, o trampo na
oficina ou no comércio perto de casa, a grana alta e rápida no comércio de
drogas podem parecer saídas mais viáveis para ajudar a família e ter retorno
financeiro a curto prazo.
Para os que permanecem no colégio
e terminam o secundário, a vitória pessoal e familiar já é grande. Para muitos,
um privilégio. Passar no vestibular e conseguir entrar na universidade é um
sonho. Conseguir nota para entrar numa universidade pública, então, é o ápice.
É o ponto mais alto que um jovem pobre que não é bom de bola pode sonhar. Tanto
no caso dele quanto no do menino e da menina das classes médias/médias altas, a
universidade é a utopia, o objetivo a ser atingido, ainda que de maneiras e com
concepções obviamente diferentes.
De maneira geral, a construção
social da universidade (principalmente das públicas) é de um espaço idílico, um
templo, um santuário do saber e da segurança. O excesso de obrigações
acadêmicas, a falta de laboratórios, professores ou as dificuldades com
assistência estudantil são alguns dos problemas que os estudantes vão tomando
conhecimento com certa rapidez, e denotam problemas estruturais das
universidades, mas a questão de segurança é (ou era) mais ou menos consensual
de que a UFG seria um espaço seguro.
No entanto, basta acompanhar grupos
e páginas de estudantes da UFG nas redes sociais para vermos que a bolha
universitária tem se tornado cada vez mais permeável às mazelas do “mundo
exterior”. Inúmeros relatos de assaltos nos pontos de ônibus e até arrastões
dentro das linhas que abastecem o Campus Samambaia, brigas entre traficantes e,
no último fim de semana, o assassinato do estudante de Ciências Ambientais,
Ariel Vaz. O jovem foi morto com um tiro no peito numa briga generalizada que
se iniciou no meio do gramado da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac),
durante a Calourada Integrada, organizada pelo DCE-UFG em parceria com Atléticas
e a Reitoria. Os detalhes do crime ainda estão sendo investigados.
Esse trágico episódio ocorrido
recentemente talvez seja a oportunidade para a comunidade universitária
refletir para questões que vão muito além do problema da segurança nos campi. Dizem
respeito ao modo como o espaço é encarado, ao papel social que cumpre. A universidade
está longe de ser o santuário idealizado pelos aspirantes à academia. Pesquisa
recente realizada na USP, por exemplo, aponta 20% dos estudantes universitários
com sintomas de ansiedade e depressão. A universidade é um local como qualquer
outro onde se exige desempenho, notas, metas etc, fatores que podem contribuir
para engendrar quadros de adoecimento psíquico.
A questão central é que tudo está
imbrincado: expectativas idealizadas do ambiente universitário, frustrações
comuns da vida acadêmica, mazelas sociais que entram na universidade... Tudo contribui
para enriquecer o quadro da quebra de expectativa com o ambiente universitário.
Esses problemas, para serem superados, obviamente precisam ser discutidos caso
a caso, precisa-se muito debater segurança pública, debater saúde mental,
debater os problemas estruturais que as universidades vêm sofrendo pelos cortes
no financiamento etc.
Isso tudo, na verdade, nada mais
é do que encarar a universidade tal como é. E talvez o maior desafio seja
justamente esse: encararmos a verdade, não vendermos a imagem da universidade
como um lugar perfeito, como o pedestal que os jovens iluminados têm por
direito. A universidade precisa ser exposta com suas debilidades e falhas, para
que não se crie ilusões com ela. A partir do momento que não existe ilusão,
reduzem-se as possibilidades de autoengano e podemos conjecturar racionalmente
em cima desses problemas para podermos saná-los.